Como alguns já sabem, sou uma Classe C puro sangue. Um dos motivos pelos quais saí da moda e entrei para a comunicação foi meu histórico de descobertas do mundo pela propaganda, porque ela tem esse poder sobre nós, emergentes do social!
Fui uma criança regada a desejos de coisas que eu via e não podia ter. Só de vez em quando, se sobrasse dinheiro, claro. Um dia meu pai falou: ‘’Quando as coisas melhorarem, vamos comprar até sucrilhos e gel de cabelo, pra ir todo mundo bonitinho pra escola’’. Essas declarações, apesar de engraçadas hoje, enchiam a gente de esperança, e olha que o gel era uma coisa muito, muito sci-fi para minha família.
Computador jamais! Minha mãe dizia que era do capeta, até que ganhei um concurso de redação no Instituto Ayrton Senna e tive o meu. Isso, podem culpar o Instituto Ayrton Senna por eu ser o que sou.
Mas então, automaticamente, o PC passou de demoníaco para oráculo da vida. Em 1996, quando os patins viraram moda, passei por um de meus piores momentos. Já existia crédito para os pobres comprarem as coisas, então, todas as crianças do bairro andavam de patins, menos meus irmãos e eu. Lá em casa, o pensamento ainda era o de crise e minha mãe tratou de implementar plano de mídia from the hell sobre patins:
- (Jan - Mar) Era do demônio;
- (Abr - Jun) Quebrava as pernas das crianças;
- (Jul – Set) Era moda e ia passar logo;
- (Out - Dez) Quando eu trabalhasse para pagar um eu teria o meu.
Paremos aí. Muita coisa passou pela minha vida sem que eu pudesse experimentar, sob alegação de que, quando tivesse dinheiro, eu teria. Aí era um pânico, porque eu me via velha, caquética, aprendendo a andar de patins, sozinha, enquanto os resto dos velhinhos estaria em outra vibe.
Hoje tudo mudou para a Classe C, porque ela passou a ter esse nome. O C, que não vem mais depois do A, nem do B. O C, que vem de Consumo. Dominamos o mercado e somos dominados pelo hedonismo. Eu como até sucrilhos, gente!
Não há como negar que a melhoria social nos libertou da privação. A Classe C compra e compra muito porque quer pertencer ao mundo. Tudo é lucro. Tudo é colorido. Aliás, quanto mais colorido melhor. Tudo é comemoração, porque comprar é uma alegria só.
A Classe C preza a novidade da inclusão, os benefícios funcionais e o prazer que um produto pode proporcionar. O mundo rascunho, descartável, é uma descoberta para esse público. A Classe C ainda não digeriu por que os diretores de arte e os publicitários cool, que vão para a Disney com a família, para Bariloche com os amigos e para Paris com a namorada todos os anos tanto adoram o minimalismo e as formas limpas. O mundo da Classe C não tem formas limpas, porque ela quer ver a abundância bem representada.
A Classe C quer fazer parte, daí tanto investimento em imagem. Precisa ser cheirosa, usar roupa da novela, saber as musicas do momento, colocar silicone em vinte vezes... Porque a imagem virou uma forma de inclusão tão importante quanto a educação.
Sou infinitamente grata ao universo por vir desse berço das descobertas do consumo e ter a chance de trabalhar com comunicação de consumo. Tomara que essa feliz coincidencia sirva de alguma coisa no meu trabalho um dia.
No fim das contas, o Leão em Cannes não vale nada se não agradar quem mata um leão por dia.
Okey? Então Ok.