sábado, 18 de dezembro de 2010

As Novelas

Você é brasileiro, trabalhador, tem mais de 18 anos e não tem grana suficiente para bancar programaas culturais quase todo dia? Então você é um assíduo telespectador de novela. Parabéns.

Se você assiste novelas, provavelmente sabe bem o que é ficar feliz com a felicidade alheia, triste com a tristeza alheia e mandar um aparelho de televisão ir à merda quando o casal de mocinhos da trama se separa (o que não acontece com os aparelhos Sharp, porque não se chuta cachorro morto). Resumindo: não temos estrutura psicológica para aceitar a perda num bom enredo.



Os responsáveis por isso são os autores e diretores e, de vez em quando, o elenco. Eles fazem todo um combinado de produção, interpretação e roteiro parecerem trabalho feito em encruzilhada. É batata: passa a novela e no dia seguinte todo mundo tá comentando. Legal isso, né? Não! O nome disso é escrotice!

Não sei se acontece só comigo, mas eu sei toda a fórmula de sucesso das novelas e mesmo assim continuo assistindo. Por exemplo, ninguém tem plano de saúde no núcleo rico. Todo mundo tem o médico da família. Uma coisa assim bem anos 30. É claro que estamos falando do Doutor Moretti.



Quando o Dr. Moretti não resolve, é caixão (literalmente!). O mais engraçado é que quem vem dar a notícia do papoco não é o próprio, mas sim o médico novinho que é irmão gemeo do Cesar Tralli."Fizemos tudo o que foi possível, mas..." - ele diz. Nessa hora, todo mundo se abraça. Fosse no SUS, seria diferente:


"287! Quem é o 287? É o senhor? Ó... seguinte. O seu filho veio a óbito. É, meu senhor, ele morreu. Tão despachando o corpo lá na ala C, vá lá. Num esqueça de pegar sua fichinha ali, ó.''


Falando em presunto, as refeições na TV são sempre a cara da aristocracia, diferente do que acontece na vida real. Lá em casa, quando um bolo está saindo do forno, todo mundo tasca logo uma fatia. Nas novelas não. Tanto no núcleo rico quanto no pobre, vai haver sempre um bolo inteiro sobre a mesa do café da manhã. Tudo estaria OK, não fosse o fato de ninguém comer. O desperdício não acaba aí. Além do bolo, da jarra de suco, das torradinhas com três opções de patê e do povo limpar a boca com guardanapo de pano usado sem o menor pudor em refeições rotineiras, temos um problema muito mais grave: a Marcinha e a Renatinha.



Quem são Marcinha e Renatinha? São as duas maiores responsáveis pela subnutrição da juventude classe média da teledramaturgia brasileira. Sim, porque você tem um café da manhã colonial sobre a mesa, desses de convenção de firma em hotel, aí chega a atriz anoréxica, capa da Gloss, senta, pega uma uva e diz:


''Oh! Meu Deus! Estou atrasada!'' (jogando a uva na boca)
''Espera, filha! Come direito...'', diz a mãe socialite.
''Não. Marquei de ir estudar na casa da Marcinha''.

O figurino é um capítulo a parte. Já reparou que ninguém anda descalço na própria casa? Pelo contrário, eles andam pelos cômodos com a roupa que eu uso pra ir à missa. Acho chique.

Outro detalhe importante do núcleo rico é a empresa. Sempre haverá uma empresa para conduzir os negócios da família. O problema é que começa novela, acaba novela e o público nunca sabe exatamente o que a empresa faz. E, mesmo com 60% do elenco sendo acionista, ela em determinado momento abre falência.

Para salvar a bagaça, claro, temos a matriarca da família. São coroas tão chiques, tão chiques, que não têm o menor vestígio de vó. Por exemplo, vocês imaginam a Fernanda Montenegro fazendo bolinho de chuva, ou pedindo 200 gramas de mussarela na padoca? Não orna.



Manoel Carlos é caso extra! Tirando o fato de todas as mulheres mais fodonas do mundo se chamarem Helena (nesse contexto, Deus se lixou pra mim), temos um fator crucial que divide tudo no pensamento Nietzcheano do bem e do mal: o Leblon e o não-Leblon.

- Porque no Leblon, todas as domésticas falam português correto e têm cara de donas de uma rede de salão de beleza;
- Porque no Leblon, as pessoas são leitoras proficientes dos clássicos da literatura brasileira;
- Porque no Leblon, a instituição da família tem peso tão forte, que mãe e filha dividem o mesmo macho;
- Porque no Leblon, toma-se água de coco e suco e deixa-se a metade;
- Porque no Leblon as pessoas falam com sotaque de São Paulo;
- Porque no Leblon, o problema da violência é resolvido com passeatas nas quais os manifestantes se vestem de branco, sensibilizando bandidos, polícia e Estado'
- Porque no Leblon, ninguém fala palavrão e os xingamentos se restringem a ''Cafajeste! Idiota! Bobo! Cara de Mamão!'' (a novela Malhação certamente é gravada no Leblon).

Tudo sempre igual. Romances, traições, assassinatos, cenas cômicas e mais um monte de ingrediente que puxa nossa atenção durante mais ou menos 6 meses. Muitas histórias acontecendo em paralelo para acabar em um mesmo fim: casamento, seguido de gravidez, seguido de cena de confraternização final com muitos bebês e uma assinatura tosca de FIM.

Mas não podemos negar que o Brasil sabe fazer bem a coisa. Não há em todo o mundo melhor produção de novelas que aqui e no fim das contas isso gera emprego e entretenimento para milhares e milhares de pessoas. Assistamos novelas, mas mantenhamos nosso senso crítico aguçado: é bom para o moral.

Okey? Então Ok.

2 comentários:

  1. Le blond, ou o bairro do louro, é bem legal, mas Ipanema é o que há de melhor no Brasil. Todo bairro sonha em ser Ipanema, mas onde conseguir aquela paisagem? Pois é.

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  2. o que mais me chama atenção nas novelas,é que ninguém tem emprego,ninguém faz nada,todos ficam o dia inteiro ligado ao computador,passeando,indo a praia,shopping,fazendo diversas atividades

    AS NOVELAS NOS ILUDEM
    ^NÃO MOSTRAM A REALIDADE!!!1

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